sexta-feira, 16 de março de 2012

AS NÃO PESSOAS

Sai de casa apressada, como toda a manhã. Não calcula imprevistos, mentaliza que nunca se atrasará, não gosta de deixar margens, não há tempo há se perder. Passa pelo barbeiro da rua, o cumprimenta como sempre, encontra o dono do mercado da esquina, o guardador de carro, o entregador de gás e moço do leite. Como que em um ritual, faz uma piada qualquer sobre o desempenho do seu time, pede como anda a familia, fala sobre o tempo e segue seu caminho.

Tudo acontece normalmente, como todos os dias. Avança uma quadra e para sua surpresa nota algo errado. Pára nesse momento. Olha para o condominio e não vê a zeladora parada na porta, lendo seu jornal como sempre. Treme. Em questão de segundos passam mil possibilidades do que pode ter acontecido a simpática senhora. Terá morrido? Sofrido um acidente? Se mudado? Se aposentado? Fica apreensiva, como saber se algo de ruim aconteceu, como ajudar de alguma forma caso ela necessite?


Se dá conta que não sabe nem o nome dela, mesmo que fale com ela todos os dias da semana. Conta. Faz uma lista mental de quantas pessoas das quais ela pouco sabe fazem parte do seu dia-a-dia. Se assusta. A lista é imensa. Sente uma necessidade de convidar a todos pra um chimarrão em um parque, uma necessidade de conhecimento, de pertencer não só por pertencer.


Se pergunta se fará parte da lista de alguém. Se essas mesmas pessoas a veem como alguém que participa de sua vida sem participar. Se sentem sua falta quando ela não aparece. Se notam quando ela sai antes. Se se preocupam por algum eventual desencontro diário.


Percebe que está parada na rua sem ação. Continua guria, vá em frente, espera o dia de amanhã, ele pode esclarecer. Não se torture por antecedência. Não dá, as não pessoas tem que continuar a existir como não pessoas, tu não pode se envolver com a vida de todas, tem que deixar elas no seu lugar, na porta do mercado, na frente da barbearia esse é o papel delas. Elas estão ai pra isso e são importantes pelo que exercem.

Atravessa a rua, sabendo que perdeu valiosos minutos. Droga. Perdeu tempo, pega um atalho, vai ter que ser assim pra chegar na hora, não pode se atrasar, maldita mania de não deixar uns minutinhos de folga. Terá que repensar isso. Na rua do lado, pela qual costuma ir o segurança se pergunta o que terá acontecido com a guria gremista que sempre passa ali apressada exatamente as 8h47min toda a manhã.  

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